terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Eu era uma moeda, como não queriam?



O flautista de Hamelin é um conto folclórico, reescrito pela primeira vez pelo Irmãos Grimm e que narra um desastre incomum acontecido na cidade de Hamelin, na Alemanha, em 26 de junho de 1284.


Em 1284, a cidade de Hamelin estava sofrendo com uma infestação de ratos. Um dia, chega à cidade um homem que reivindica ser um "caçador de ratos" dizendo ter a solução para o problema. Prometeram-lhe um bom pagamento em troca dos ratos - uma moeda pela cabeça de cada um. O homem aceitou o acordo, pegou uma flauta e hipnotizou os ratos, afogando-os no Rio Weser.

Apesar de obter sucesso, o povo da cidade abjurou a promessa feita e recusado-se a pagar o "caçador de ratos", afirmando que ele não havia apresentado as cabeças. O homem deixou a cidade, mas retornou várias semanas depois e, enquanto os habitantes estavam na igreja, tocou novamente sua flauta, atraindo desta vez as crianças de Hamelin. Cento e trinta meninos e meninas seguiram-no para fora da cidade, aonde foram enfeitiçados e trancados em uma caverna. Na cidade, só ficaram seus opulentos habitantes e seus repletos celeiros e bem cheias despensas, protegidas por suas sólidas muralhas e um imenso manto de silêncio e tristeza.
E foi isso que se sucedeu há muitos, muitos anos, na deserta e vazia cidade de Hamelin, onde, por mais que se procure, nunca se encontra nem um rato, nem uma criança.


Óh amargo hipnotizador, o que o fez pensar que essas crianças lhe vingaria as moedas? Nem ao menos eram feitas de ouro. Ou eram? Hipnotize-me agora pois, sou maciço e valho muito para continuar vivendo.



(i'm sorry.)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

HIPPOCAMPUS

"Os hippocampus eram seres fictícios da mitologia grega, filhos de Poseidon. A parte superior de seu corpo era a de um cavalo com crina membranosa, guelras e membranas interdigitais nos supostos cascos, e sua parte inferior era de um golfinho. Os Hipocampus eram empregados pelo Deus dos Mares em sua maioria na espionagem e na patrulha por seu reino oceânico em busca de empecilhos; também eram conhecidos como cavalo marinho".
Mas para mim, os cavalos marinhos eram libélulas sem as asas.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Solo 2º ano, artes cênicas UEL - atriz Raquel Palma

"A realidade, embora me enjoe, também me serve. Mantenho os olhos disfarçadamente abertos - clandestina - depois os fecho definitivamente e reinvento modalidades cabíveis. Só não me ausentei ainda porque sou eu quem escolho o que quero dos dias e das pessoas que me chamam pelo nome. As vezes, finjo que não as ouço. E não ouço mesmo. Manter-me viva, noite após noite, até que me envaidece, porém, se me tivessem oferecido alguma opção eu escolheria transitar por um lugar estranho que satisfizesse meu egoísmo passageiro. Carrego comigo uma lista de felicidades e impropérios, são meus objetivos surreais. Algumas imagens me bastariam, delírios passageiros no deserto que eu inventei para não morrer cedo e intacta."

(Ivana Debértolis, escritora, Londrina/PR)
www.ivanadebertolis.blogspot.com








Começo por me identificar, eu sou um cachorro.
Que não vai responder a nenhuma pergunta, mesmo porque não sei as respostas.Aqui onde estou posso passar quase despercebido em meio de outros que também levam os crachás dependurados no pescoço como os rótulos das garrafas de uísque. Que ninguém lê com atenção, estão todos muito ocupados para se interessar de verdade por um próximo que é único e múltiplo apesar da identidade.
( Lygia Fagundes Telles )

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O Homem de Cabeça de Papelão - João do Rio

Segue o link, vídeo do conto, narrador-intérprete a atriz Maria Luísa Mendonça, programa "Contos da meia-noite" da TV Cultura:
-http://www.youtube.com/watch?v=qQCJ6E_1EIw parte 1
-http://www.youtube.com/watch?v=AwG3yiVSLYM&feature=related parte 2






"O homem de cabeça de papelão"
(João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto)



No País que chamavam de Sol, apesar de chover, às vezes, semanas inteiras, vivia um homem de nome Antenor. Não era príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância social.



O País do Sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas. Os habitantes afluíam todos para a capital, composta de praças, ruas, jardins e avenidas, e tomavam todos os lugares e todas as possibilidades da vida dos que, por desventura, eram da capital. De modo que estes eram mendigos e parasitas, únicos meios de vida sem concorrência, isso mesmo com muitas restrições quanto ao parasitismo. Os prédios da capital, no centro elevavam aos ares alguns andares e a fortuna dos proprietários, nos subúrbios não passavam de um andar sem que por isso não enriquecessem os proprietários também. Havia milhares de automóveis à disparada pelas artérias matando gente para matar o tempo, cabarets fatigados, jornais, tramways, partidos nacionalistas, ausência de conservadores, a Bolsa, o Governo, a Moda, e um aborrecimento integral. Enfim tudo quanto a cidade de fantasia pode almejar para ser igual a uma grande cidade com pretensões da América. E o povo que a habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!



Precisamente por isso, Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.



Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.



Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por mal. Ao contrário. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. Aliás, só para ela, para os olhos maternos. Porque quando Antenor resolveu arranjar trabalho para os mendigos e corria a bengala os parasitas na rua, ficou provado que Antenor era apenas doido furioso. Não só para as vítimas da sua bondade como para a esclarecida inteligência dos delegados de polícia a quem teve de explicar a sua caridade.



Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários meetings como aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor, diante da evidência, negou-se.



— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.



— Mas não quero ser nada disso.



— Então quer ser vagabundo?



— Quero trabalhar.



— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando — é vagabundo.



— Eu não acho.



— É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique. Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.



Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. Acedendo ao pedido da respeitável senhora que era mãe de Antenor, Antenor passeou a sua má cabeça por várias casas de comércio, várias empresas industriais. Ao cabo de um ano, dois meses, estava na rua. Por que mandavam embora Antenor? Ele não tinha exigências, era honesto como a água, trabalhador, sincero, verdadeiro, cheio de idéias. Até alegre — qualidade raríssima no país onde o sol, a cerveja e a inveja faziam batalhões de biliosos tristes. Mas companheiros e patrões prevenidos, se a princípio declinavam hostilidades, dentro em pouco não o aturavam. Quando um companheiro não atura o outro, intriga-o. Quando um patrão não atura o empregado, despede-o. É a norma do País do Sol. Com Antenor depois de despedido, companheiros e patrões ainda por cima tomavam-lhe birra. Por que? É tão difícil saber a verdadeira razão por que um homem não suporta outro homem!



Um dos seus ex-companheiros explicou certa vez:



— É doido. Tem a mania de fazer mais que os outros. Estraga a norma do serviço e acaba não sendo tolerado. Mau companheiro. E depois com ares...



O patrão do último estabelecimento de que saíra o rapaz respondeu à mãe de Antenor:



— A perigosa mania de seu filho é por em prática idéias que julga próprias.



— Prejudicou-lhe, Sr. Praxedes?



Não. Mas podia prejudicar. Sempre altera o bom senso. Depois, mesmo que seu filho fosse águia, quem manda na minha casa sou eu.



No País do Sol o comércio ë uma maçonaria. Antenor, com fama de perigoso, insuportável, desobediente, não pôde em breve obter emprego algum. Os patrões que mais tinham lucrado com as suas idéias eram os que mais falavam. Os companheiros que mais o haviam aproveitado tinham-lhe raiva. E se Antenor sentia a triste experiência do erro econômico no trabalho sem a norma, a praxe, no convívio social compreendia o desastre da verdade. Não o toleravam. Era-lhe impossível ter amigos, por muito tempo, porque esses só o eram enquanto. não o tinham explorado.



Antenor ria. Antenor tinha saúde. Todas aquelas desditas eram para ele brincadeira. Estava convencido de estar com a razão, de vencer. Mas, a razão sua, sem interesse chocava-se à razão dos outros ou com interesses ou presa à sugestão dos alheios. Ele via os erros, as hipocrisias, as vaidades, e dizia o que via. Ele ia fazer o bem, mas mostrava o que ia fazer. Como tolerar tal miserável? Antenor tentou tudo, juvenilmente, na cidade. A digníssima sua progenitora desculpava-o ainda.



— É doido, mas bom.



Os parentes, porém, não o cumprimentavam mais. Antenor exercera o comércio, a indústria, o professorado, o proletariado. Ensinara geografia num colégio, de onde foi expulso pelo diretor; estivera numa fábrica de tecidos, forçado a retirar-se pelos operários e pelos patrões; oscilara entre revisor de jornal e condutor de bonde. Em todas as profissões vira os círculos estreitos das classes, a defesa hostil dos outros homens, o ódio com que o repeliam, porque ele pensava, sentia, dizia outra coisa diversa.



— Mas, Deus, eu sou honesto, bom, inteligente, incapaz de fazer mal...



— É da tua má cabeça, meu filho.



— Qual?



— A tua cabeça não regula.



— Quem sabe?



Antenor começava a pensar na sua má cabeça, quando o seu coração apaixonou-se. Era uma rapariga chamada Maria Antônia, filha da nova lavadeira de sua mãe. Antenor achava perfeitamente justo casar com a Maria Antônia. Todos viram nisso mais uma prova do desarranjo cerebral de Antenor. Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional.



— Só caso se o senhor tomar juízo.



— Mas que chama você juízo?



— Ser como os mais.



— Então você gosta de mim?



— E por isso é que só caso depois.



Como tomar juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido.



Nessas disposições, Antenor caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a tabuleta de uma "relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão". Achou graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo.



— Traz algum relógio?



— Trago a minha cabeça.



— Ah! Desarranjada?



— Dizem-no, pelo menos.



— Em todo o caso, há tempo?



— Desde que nasci.



— Talvez imprevisão na montagem das peças. Não lhe posso dizer nada sem observação de trinta dias e a desmontagem geral. As cabeças como os relógios para regular bem...

Antenor atalhou:



— E o senhor fica com a minha cabeça?



— Se a deixar.



— Pois aqui a tem. Conserte-a. O diabo é que eu não posso andar sem cabeça...



— Claro. Mas, enquanto a arranjo, empresto-lhe uma de papelão.



— Regula?



— É de papelão! explicou o honesto negociante. Antenor recebeu o número de sua cabeça, enfiou a de papelão, e saiu para a rua.



Dois meses depois, Antenor tinha uma porção de amigos, jogava o pôquer com o Ministro da Agricultura, ganhava uma pequena fortuna vendendo feijão bichado para os exércitos aliados. A respeitável mãe de Antenor via-o mentir, fazer mal, trapacear e ostentar tudo o que não era. Os parentes, porem, estimavam-no, e os companheiros tinham garbo em recordar o tempo em que Antenor era maluco.



Antenor não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava, falsificava. Maria Antônia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não desmoralizasse a ele. Outras Marias ricas, de posição, eram de opinião da primeira Maria. Ele só tinha de escolher. No centro operário, a sua fama crescia, querido dos patrões burgueses e dos operários irmãos dos spartakistas da Alemanha. Foi eleito deputado por todos, e, especialmente, pelo presidente da República — a quem atacou logo, pois para a futura eleição o presidente seria outro. A sua ascensão só podia ser comparada à dos balões. Antenor esquecia o passado, amava a sua terra. Era o modelo da felicidade. Regulava admiravelmente.



Passaram-se assim anos. Todos os chefes políticos do País do Sol estavam na dificuldade de concordar no nome do novo senador, que fosse o expoente da norma, do bom senso. O nome de Antenor era cotado. Então Antenor passeava de automóvel pelas ruas centrais, para tomar pulso à opinião, quando os seus olhos deram na tabuleta do relojoeiro e lhe veio a memória.



— Bolas! E eu que esqueci! A minha cabeça está ali há tempo... Que acharia o relojoeiro? É capaz de tê-la vendido para o interior. Não posso ficar toda vida com uma cabeça de papelão!



Saltou. Entrou na casa do negociante. Era o mesmo que o servira.



— Há tempos deixei aqui uma cabeça.



— Não precisa dizer mais. Espero-o ansioso e admirado da sua ausência, desde que ia desmontar a sua cabeça.



— Ah! fez Antenor.



— Tem-se dado bem com a de papelão? — Assim...



— As cabeças de papelão não são más de todo. Fabricações por séries. Vendem-se muito.



— Mas a minha cabeça?



— Vou buscá-la.



Foi ao interior e trouxe um embrulho com respeitoso cuidado.



— Consertou-a?



— Não.



— Então, desarranjo grande?



O homem recuou.



— Senhor, na minha longa vida profissional jamais encontrei um aparelho igual, como perfeição, como acabamento, como precisão. Nenhuma cabeça regulará no mundo melhor do que a sua. É a placa sensível do tempo, das idéias, é o equilíbrio de todas as vibrações. O senhor não tem uma cabeça qualquer. Tem uma cabeça de exposição, uma cabeça de gênio, hors-concours.



Antenor ia entregar a cabeça de papelão. Mas conteve-se.



— Faça o obséquio de embrulhá-la.



— Não a coloca?



— Não.



— V.EX. faz bem. Quem possui uma cabeça assim não a usa todos os dias. Fatalmente dá na vista.



Mas Antenor era prudente, respeitador da harmonia social.



— Diga-me cá. Mesmo parada em casa, sem corda, numa redoma, talvez prejudique.



— Qual! V.EX. terá a primeira cabeça.



Antenor ficou seco.



— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão.



E, em vez de viver no País do Sol um rapaz chamado Antenor, que não conseguia ser nada tendo a cabeça mais admirável — um dos elementos mais ilustres do País do Sol foi Antenor, que conseguiu tudo com uma cabeça de papelão.


















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Basta dizer que é o meu conto predileto. Já gastei e continuo gastando anos, um após o outro pensando o que querem e por que querem e por que diabos se arrastam na poeira como à besta a procura de sua caça, arrastar para arrastar, de um lado para o outro nas confusões do livre comércio, das avenidas, dos telefonemas, das frituras, do sexo, das construções e mesmo assim com o direito de eliminar aquilo que não se encaixa a tais costumes "caçadores".

Sem dúvida alguma, as cabeças de papelão são de fabricação por série e vende-se muito. Vez ou outra topo com um outro Antenor, me reconhecendo finalmente nas suas verdades, mesmo sendo ambos sem importância social.



"No país do sol, como em geral todos os países lendários, era o mais comum, o menos surpreendente em idéias e práticas... E o povo que o habitava julgava-se, além de inteligente, possuidor de imenso bom senso. Bom senso! Se não fosse a capital do País do Sol, a cidade seria a capital do Bom Senso!". Parafraseando isso, sou facilmente atraido pela alteração do bom senso, logo me vejo rodeado por exceções mal vistas ou Antenores.



O que me fica de mais interessante no conto é a decisão do protagonista: a recusa pela cabeça arranjada, em troca da cabeça de papelão. Creio, que se pudesse escolher faria exatamente o mesmo, é uma pena a gente não escolher o destino que quer, como nas palavras de Drummond: "Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai Carlos!, ser gauche na vida" e volto à João do Rio e nosso Antenor: "Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros".



Para concluir, vou extrair o excerto que me cabe:





"Antenor ficou seco.



— Pode ser que V., profissionalmente, tenha razão. Mas, para mim, a verdade é a dos outros, que sempre a julgaram desarranjada e não regulando bem. Cabeças e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com ela. Eu continuo com a de papelão."

















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"O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão."


(Clarice Lispector)